segunda-feira, 23 de setembro de 2019

O arroz



Mais um dia. As contas estão postas na mesa e são muitas, o arroz no fogo já ferve, o espelho pendurado na parede da sala reflete a garota que desliza um batom vermelho em seus lábios carnudos e que não se sente nem um pouco feliz com seu emprego. A cortina balança por causa do vento que adentra o apartamento pela janela da sala. É noite, é frio, é a solidão. O sabor amargo da bebida não tira o sentimento de fracasso. O fracasso não quer trégua, mas o cigarro que acendeu acalma o desespero que insiste em querer crescer em seu peito. Rita fuma agora sentada desajeitadamente em seu sofá, o vestido amarrotado e levantado deixando o short a mostra. Daqui a pouco é o começo da madrugada, o começo de outra música que toca em seu DVD, o começo de outro cigarro, o começo de outras contas, de um mês em um trabalho que não gosta...

            Alguém bate na porta, já era hora. A pessoa a sua frente parece triste, seus olhos brilham, mas dá para ver que são lágrimas. A maquiagem tenta cobrir suas olheiras sem sucesso, o delineado borrado, o cabelo molhado, o seu respirar acelerado em um pedido de ajuda não pronunciado. Rita questiona o que aconteceu e o motivo da demora, mas ela desmorona. O dia foi péssimo para as duas amigas. Talvez seja isso, precisem uma da outra nesse momento, precisem de uma bebida, comida e o silêncio enquanto a tristeza esvai ou não vai embora, só fica ali remoendo por um longo período até que amenize pelo menos.  

— Então é assim? Assim que termina? — é mais para si que Caroline questiona. Rita não levanta a cabeça, apenas encara seus pés descalços enquanto a escuta chorar.

— Mas ele disse alguma coisa? — curiosa finalmente quis saber. Não entendia como um amor podia ser destruído tão facilmente, não entendia como as pessoas conseguiam fingir tão bem que gostavam da outra enquanto a traíam sorrateiramente.

— "Desculpa", só.  — Carol responde. Rita bebeu na boca da latinha e franziu as sobrancelhas confusa, depois estendeu a bebida à amiga oferecendo. — Então deixei tudo lá e não quero voltar pra buscar nada. Não tenho coragem de o ver. A gente tava tão apaixonado...

— Sim, eu tava pensando nisso agora. — falou lembrando quando ele foi pedir ajuda dela para preparar o pedido de noivado e percebeu que era melhor não revelar a amiga o que ele planejava, talvez a deixasse mais magoada ou a fizesse voltar atrás em algo tão tóxico e falso. — Mas se ele te amasse mesmo não teria te traído.

            Cheiro de coisa queimada no ar, Carol enruga o nariz.

— Que cheiro estranho. — Rita muda de assunto comentando enquanto estreita os olhos tentando lembrar de alguma coisa.  — Acho que os vizinhos devem tá cozinhando...

— Deve tá queimando. — Carol diz e uma fumaça mais escura começa a chegar na sala. — Tu deixasse comida no fogo, não?!

— O meu arroz!!!!

9 comentários:

  1. Parabéns pelo conto, nos envolveu na leitura até o final...aguardo novas produções...

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    1. Muito obrigada! 💓 Espero que também goste das que vierem ^_^

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  2. Amei o seu texto e a sua escrita. Ela é bem fluída. Infelizmente, o que não falta nesse mundo são pessoas que querem nos usar e jogar fora.

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    1. Grata estou pelo seus elogios 🤗🤗 e realmente é o que não falta no mundo.

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  3. Parabéns Iasmim. Em um futuro bem próximo quero ler um livro seu.Jesus a abençoe.💕💕💕

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    1. Muito obrigada 😁😁😁 fico grata por todo esse carinho.

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  4. Parabéns Iasmim. Em um futuro bem próximo quero ler um livro seu.Jesus a abençoe.💕💕💕

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